Documentos originais de uma investigação que envolve o delator da lista de Furnas e do mensalão mineiro, Nílton Monteiro, foram encontrados no escritório do advogado Joaquim Engler Filho, personagem do submundo do poder construído durante os anos de Eduardo Azeredo no governo do Estado e, mais tarde, consolidado com Aécio Neves. Os autos da investigação, denominada VPI, estavam desaparecidos havia quatro anos. Foram encontrados no cumprimento de um mandado de busca e apreensão determinado há pouco tempo pela Justiça, em um inquérito que se revela explosivo.
O delegado Rodrigo Bossi de Pinho, chefe do Departamento Estadual de Investigações sobre Fraudes, é quem conduz esse inquérito. Em uma certidão assinada no dia 19 de janeiro (ler ao final da reportagem), em que relata a apreensão dos autos no escritório do advogado, ele diz que esse trabalho tem por objetivo apurar “a existência de uma organização criminosa que se utilizou do sistema judiciário mineiro para encobrir denúncias de corrupção ocorridas no Governo do Estado de Minas Gerais anteriormente”.
O delegado diz que essa organização contava com apoio de policiais civis. “Em tese, (a organização) utilizava-se de ardis, tais quais subtração de autos processuais e de peças processuais, falsas perícias e documentos, além de falsos testemunhos”, escreveu. Para identificar os criminosos, o delegado separou a investigação por temas. Os autos desaparecidos fazem parte do capítulo sobre a chamada Lista de Valério.
Essa lista, com assinatura do publicitário Marcos Valério, relaciona políticos e outras autoridades, incluindo juízes (alguns das cortes superiores), que receberam recursos do caixa 2 administrado por ele durante os anos de Eduardo Azeredo no poder (janeiro de 1995 a janeiro de 1999).
Quando veio à tona, a lista foi desmentida, inclusive pelo seu suposto autor, Marcos Valério. Agora as coisas mudaram e, sigilosamente, até Valério, que está preso por conta do mensalão de Brasília (também chamado mensalão do PT), tem colaborado com as investigações.
Rodrigo Bossi de Pinheiro é um policial discreto, que evita dar entrevista, mas, como revela na certidão emitida, já deu alguns passos na direção de desmascarar a quadrilha.
Nílton Monteiro, o delator dos maiores esquemas de corrupção em Minas Gerais, também colabora com a polícia e é peça-chave no inquérito.
Por conta de suas denúncias, ele já foi alvo de atentados, com incêndio do carro na garagem de sua casa, que feriu um parente seu. Ele continua recebendo ameaças, mas não desistiu.
Monteiro era um operador dos esquemas de caixa 2 mantidos por um antigo deputado mineiro, o milionário Sérgio Naya, já falecido.
Monteiro se deu bem no submundo da corrupção até ser passado para trás numa negociação milionária de venda de créditos de ICMS da mineradoras Samarco para a empresa de energia do Espírito Santo, a Escelsa. Quando isso aconteceu, Naya, seu padrinho e chefe, já tinha perdido o poder.
Nílton passou então a denunciar aqueles que o haviam passado para trás — derrubou o esquema de poder no Espírito Santo, tucano, entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000. Depois, foi para cima dos mensaleiros do esquema do PSDB em Minas, e implodiu o esquema de Aécio Neves e Dimas Toledo em Furnas.
Nílton sempre apresentou munição pesada enquanto soltava a língua — como recibos de depósitos, contratos de mútuo, notas promissórias, fotografias e as famosas listas.
Por que listas com contabilidade de propina? Porque este é o instrumento mais poderoso de chantagem.
No caso de Dimas Toledo, em Furnas, a lista foi enviada aos recebedores de dinheiro desviado da estatal, desviados e entregues por orientação de Aécio Neves (Bolsonaro está na lista, mas ali é um peixe menor, os graúdos são Serra e Alckmin).
A lista de Valério teria tido a mesma finalidade, mas ficou no meio do caminho, e foi desacreditada quando Valério a desmentiu, mas, ao que começa a se revelar agora, a assinatura da lista é autêntica, e Valério já se mostrou disposto a contar como e por que o dinheiro foi entregue.
Nílton Monteiro ficou com boa parte dos documentos que Naya guardava para cobrar os políticos e outras autoridades a quem corrompia. Algumas notas promissórias originais que estavam em poder de Nílton, com débitos milionários de grã-finos que bebiam da fonte de Naya, foram apreendidas pela Polícia Civil no governo de Aécio Neves/Antonio Anastasia, e desapareceram.
Esta é a origem da investigação preliminar cujos autos foram encontrados agora no escritório do advogado Joaquim Engler, Nessa investigação, Monteiro tinha denunciado o homem forte da Polícia Civil no governo tucano, Márcio Nabak, pelo sumiço das promissórias.
Engler não é um nome menor no esquema de corrupção. Era amigo de Nabal, detentor de sua confiança. Tanto que levou inquérito original para seu escritório.
Ender também foi advogado de Nílton Monteiro e, ao que tudo indica, operaram juntos. Quando os créditos da Samarco foram vendidos para a empresa de energia capixaba Escelsa, Engler teria se associado a outra quadrilha de golpistas, para ficar com uma comissão de 61 milhões de reais, pagas recentemente mediante autorização de um juiz.
Nílton Monteiro ficou a ver navios.
A Samarco é uma empresa que já teve controle da Vale, que ainda tem participação lá. E a Vale sempre foi um feudo político dos poderosos de Minas Gerais — lembre-se da conversa de Aécio Neves com Joesley Batista, em que ele ofereceu uma diretoria da empresa ao dono da J&F.
Com ajuda do delator Nílton e a colaboração de Marcos Valério, o delegado Rodrigo parece ter puxado o fio do novelo. Se não tirarem sua mão desse inquérito, o delegado pode ir longe e revelar os esquemas de poder efetivo em Minas Gerais, o estado que é a síntese do Brasil.
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PS: o que os documentos da Polícia Civil estavam fazendo no escritório do advogado? Engler disse que recebeu em confiança, mas não conseguiu devolver, porque nunca encontrou Nabak na delegacia nas vezes em que esteve lá para devolver. Com isso, a denúncia de que Nabak fez desaparecer as promissórias nunca foi investigada a sério.
Fonte: Diario do centro do mundo