Veja profissões que têm tempo especial do INSS na Justiça

Os trabalhadores podem encontrar dificuldades para reconhecer o tempo de serviço especial no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), sendo frequente a utilização da Justiça para obtê-lo. Podem ter direito trabalhadores expostos a agentes nocivos de forma habitual e permanente ou de atividades com risco à vida, assim como determinadas categorias profissionais, para trabalhos exercidos antes de 28 de abril de 1995.

A reportagem pesquisou decisões de TRFs (Tribunais Regionais Federais) que foram favoráveis a trabalhadores em 2022 e reconheceram o tempo de serviço especial ou o direito à aposentadoria especial. Há casos de médicos, vigias, motoristas e trabalhadores do setor elétrico, por exemplo. O INSS pode recorrer a instâncias superiores em parte das decisões.

Os exemplos selecionados não devem ser vistos como garantia de que casos similares conseguirão o mesmo resultado, afirma especialista, mas servem como referência do que pode ser buscado na Justiça e do que os trabalhadores estão conseguindo em suas ações judiciais.

“Pode ser precedente, norte para que outra decisão seja daquela forma, mas o juiz não está obrigado a seguir aquela decisão”, afirma Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário). A especialista diz que apenas precedentes qualificados são vinculantes, como no caso de recursos repetitivos do STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou temas julgados sob repercussão geral do STF (Supremo Tribunal Federal).

A advogada especialista em direito previdenciário e aposentadoria especial Taís Santos afirma que precedentes são muito utilizados em pedidos judiciais, mesmo que não haja garantia, e que há divergências na Justiça para pedidos de reconhecimento de tempo especial.

“Uma parte da Justiça entende que, se o agente é nocivo, mas não consta no rol dos decretos de regulamentação, não deve ser reconhecido como especial. Outros entendem que mesmo se não estiver no decreto, se a perícia comprovar que é uma atividade nociva, tem direito a ter esse reconhecimento.”

Além disso, há peculiaridades atreladas a cada atividade e caso. “Se o pedido foi negado pelo INSS, busque um especialista em direito previdenciário para entender o melhor caminho a seguir”, recomenda a advogada.

DECISÕES POR CATEGORIA PROFISSIONAL EM TRFS
Antes da lei 9.032, de 28 de abril de 1995, algumas categorias profissionais enquadravam-se automaticamente na aposentadoria especial (chamado de presunção de insalubridade). A lista de profissões é extensa, incluindo médicos, bombeiros, metalúrgicos e professores.

Assim, para períodos trabalhados antes da lei, basta a comprovação de ter exercido um das profissões da lista. Confira exemplos de casos reconhecendo este direito em Tribunais Regionais Federais em 2022:

Médica
– A decisão da 7ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) reconhece o direito e não cabe mais recurso. A profissão está entre as que têm direito ao reconhecimento da atividade especial antes de 1995, dado o contato com doentes ou materiais infectocontagiantes
– A mesma justificativa se aplica a médicos laboratoristas (patologistas), técnicos de laboratório, dentistas e enfermeiros, para reconhecimento de períodos de atividade anteriores à lei 9.032

Motorista de granja
Trabalhou no setor de transporte, em estabelecimento de empresa avícola. Suas funções eram de dirigir e transportar cargas, consideradas correspondentes à de motorista de caminhão
– O período havia sido reconhecido como atividade especial pela 3ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo, mas o INSS recorreu
– A decisão favorável ao segurado é da 10ª Turma do TRF-3

DECISÕES POR EXPOSIÇÃO A AGENTE NOCIVO
A partir de 1995, não há mais presunção de insalubridade. O trabalhador tem direito ao reconhecimento do tempo de serviço especial se houver exposição a agentes nocivos em trabalho permanente, não ocasional ou intermitente, comprovada no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário).

Há uma lista de agentes nocivos, mas esse rol é considerado exemplificativo, não exaustivo -ou seja, há reconhecimentos para casos que não estão na lista, mas fica comprovado que a atividade colocava a saúde do trabalhador em risco.

O QUE A JUSTIÇA DECIDIU
Veja exemplos de decisões reconhecidas em TRFs em 2022 com o critério de exposição ao agente nocivo:

Motorista do setor de saúde
– O motorista transportava pacientes para unidades de saúde municipais e viagens externas, auxiliando na retirada dos pacientes utilizando macas para locomoção
– O tempo de serviço foi reconhecido como especial por exposição a bactérias e vírus, comprovado pelo PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), de forma habitual e permanente, entre 1993 e 2016. Na decisão, consta que no PPP houve “menção expressa acerca da exposição permanente aos agentes biológicos”
– A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Oficial de movimentação do metrô
– Trabalhou como ajudante de manutenção, auxiliar de almoxarifado e oficial de movimentação do metrô
– Teve reconhecimento de atividade especial por exposição à eletricidade superior a 250 volts. Na decisão, consta que a mínima exposição a altas tensões elétricas já oferece potencial risco de morte ao trabalhador, de forma que não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho para permitir reconhecimento de serviço especial
– Também foi reconhecida exposição habitual e permanente a hidrocarbonetos aromáticos, agentes nocivos de compostos como gasolina, diesel, álcool, tintas e solventes. Com potencial cancerígeno, dão direito à contagem especial independentemente de sua concentração
– A decisão é da 10ª Turma do TRF3

Impressora de serigrafia
– Trabalhou de 1997 a 2015 como impressora de silk screen, também conhecida como serigrafia, exposta ao tolueno (hidrocarboneto aromático), como consta em PPP
– O tolueno é considerado substância cancerígena, garantindo tempo de serviço especial independentemente de sua concentração
– Decisão da 10ª Turma do TRF-3

Trabalhador de companhia energética
– Trabalhou com exposição a tensões elétricas superiores a 250 volts, considerada condição especial por haver perigo inato à exposição, mesmo que esta seja intermitente
– INSS apresentou recurso do INSS, afirmando que eletricidade é agente perigoso, não insalubre, e que não havia habitualidade e permanência do contato com eletricidade acima de 250 volts na atividade
– A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Vigia e vigilante
Para o período anterior a 28 de abril de 1995, o INSS enquadra a atividade de vigia ou vigilante como especial caso envolva o uso de arma de fogo.

Para atividade realizada até a data sem arma de fogo, a TNU (Turma Nacional de Uniformização, dos Juizados Especiais Federais) fixou tese em maio de que a atividade é especial, independentemente do uso de arma de fogo, desde que haja comprovação da equiparação das condições de trabalho, por qualquer meio de prova.

Bramante afirma ser extremamente difícil essa comprovação. “Recomenda-se que o segurado entre com recurso administrativo para ter o período até 1995 reconhecido como especial, dado o enunciado 14 do Conselho de Recursos da Previdência.” O conselho é um órgão de julgamento de recursos administrativos, e o enunciado 14 diz que o enquadramento do guarda, vigia ou vigilante independe do uso, porte ou posse de arma de fogo.

Dentre os julgamentos aguardados na área está o do Supremo, que vai decidir se é possível a concessão de aposentadoria especial a vigias e vigilantes que comprovem a exposição a atividade nociva com risco à vida para período posterior a 1995, mesmo após a reforma da Previdência. O tema tem repercussão geral.

TEMPO ESPECIAL DE AGENTES DE ENDEMIAS
Outro tema em discussão é a emenda constitucional 120, de 5 de maio de 2022, que estabelece que agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias terão aposentadoria especial “em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas”.

Adriane Bramante afirma que há discussão se esta definição é ou não constitucional e será necessária regulamentação, com critérios para análise e procedimento. “O artigo 201, parágrafo 1º da Constituição, traz que é vedado o enquadramento por categoria profissional ou ocupação, e aí vem a emenda e inclui os agentes de saúde que é uma categoria profissional.”

Para Gustavo Bertolini, da ABL Advogados, será necessário observar como o Judiciário se comportará, mas o intuito da norma deve ser levado em consideração. “Acredito que [o intuito] tenha sido de esclarecer que agentes comunitários estão expostos a agentes biológicos, mesmo que não seja de forma habitual e permanente, e estão na linha de frente com risco de contaminação.”

Fonte: Folhapress (NATALIE VANZ BETTONI)