O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou, por meio de nota oficial, que ainda há pendências técnicas e documentais que impedem a emissão da Licença de Operação (LO) necessária para o início dos testes da ferrovia Transnordestina, projeto que vai interligar o Piauí ao Porto do Pecém, no Ceará.
A Transnordestina Logística S.A., empresa responsável pelo empreendimento, havia solicitado autorização para iniciar os testes operacionais nos dias 24 e 25 de outubro, com o transporte de soja, milho, farelo de soja e calcário entre os municípios de Bela Vista do Piauí e Iguatu (CE). No entanto, segundo o Ibama, os ensaios só poderão ocorrer após a emissão da Licença de Operação, documento que assegura o cumprimento das condicionantes ambientais e a segurança da operação ferroviária.
Pendências técnicas e legais
De acordo com o órgão ambiental, a ausência de elementos essenciais inviabiliza, por enquanto, a autorização. Entre as pendências apontadas estão:
Ausência de aprovação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), instrumento fundamental para prevenir e responder a possíveis situações de emergência durante a operação;
Falta de manifestação favorável do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma vez que o traçado da ferrovia impacta comunidades quilombolas em áreas de influência direta;
E a análise ainda em andamento de informações complementares relativas ao Plano Ambiental de Operação (PAO) e ao cumprimento das condicionantes ambientais, protocoladas pela empresa nos dias 7 e 15 de outubro de 2025.
O Ibama reforçou que todas as etapas do processo estão sendo conduzidas dentro do prazo legal e que a decisão de adiar os testes busca garantir a segurança socioambiental da operação.
“O Instituto reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e a proteção socioambiental, assegurando que a Licença de Operação somente será emitida quando todas as exigências técnicas forem plenamente atendidas e quando for comprovada a viabilidade ambiental da ferrovia”, destacou o órgão em nota.
Com um investimento total estimado em R$ 15 bilhões, a Transnordestina é considerada uma das obras de infraestrutura mais importantes do país. Do total, R$ 4,4 bilhões são provenientes do Governo Federal, sendo R$ 3,6 bilhões via Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), por meio de termo aditivo assinado em 2024. Até 2027, está prevista a liberação de mais R$ 1 bilhão para garantir a conclusão da primeira fase da ferrovia.
O projeto tem papel estratégico para o escoamento da produção agrícola do Piauí, especialmente grãos como soja e milho, conectando o estado a mercados nacionais e internacionais por meio do Porto do Pecém, no Ceará.
De acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), a nova ferrovia permitirá reduzir custos logísticos, aumentar a competitividade da produção nordestina e integrar o modal ferroviário a outras linhas, como a Ferrovia Norte-Sul.
Trechos da ferrovia e cronograma
A Transnordestina está dividida em três grandes etapas:
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Primeira fase – do Porto do Pecém (CE) até São Miguel do Fidalgo (PI), passando por Salgueiro (PE), com 1.040 km de extensão;
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Segunda fase – trecho de 166 km entre Paes Landim e Eliseu Martins (PI);
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Terceira fase – ligação de Salgueiro (PE) ao Porto de Suape (PE), somando 547 km.
Quando concluída, a ferrovia deverá integrar três estados e se tornar o principal corredor logístico do Nordeste, com potencial para transportar milhões de toneladas de grãos e minérios anualmente.
O Ibama reforçou que a avaliação ambiental de grandes obras de infraestrutura segue critérios técnicos rigorosos, buscando equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e o respeito às comunidades locais. A ausência de manifestação do Incra, no caso, reflete a necessidade de consultas e compensações adequadas às comunidades quilombolas e rurais afetadas pelo traçado.
A nota do Instituto finaliza afirmando que o cronograma será retomado tão logo as pendências sejam sanadas e que o processo de licenciamento permanecerá público e transparente, em consonância com as normas federais de controle ambiental.
Análise de especialistas: desenvolvimento com responsabilidade
Especialistas em logística, economia e meio ambiente apontam que a Transnordestina é um divisor de águas para o desenvolvimento do Nordeste, mas que o sucesso do projeto depende do equilíbrio entre eficiência econômica e sustentabilidade socioambiental.
Para o economista e pesquisador de infraestrutura regional Dr. Eduardo Nascimento, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a ferrovia representa “uma oportunidade histórica de integração produtiva entre o cerrado piauiense, os polos industriais do Ceará e os portos do Nordeste”. Segundo ele, o modal ferroviário poderá reduzir em até 30% o custo logístico do escoamento agrícola, atraindo novos investimentos e impulsionando o agronegócio local.
Já a ambientalista Lívia Moura, especialista em políticas de conservação, avalia que o atraso na licença é um passo necessário para assegurar que o desenvolvimento ocorra sem prejuízos sociais e ambientais. “É fundamental que os projetos contemplem planos de mitigação e compensação às comunidades quilombolas e rurais. O desenvolvimento só será sustentável se respeitar as pessoas e o território”, afirmou.
Analistas também destacam que, ao conectar o interior do Piauí ao litoral do Ceará, a Transnordestina poderá estimular cadeias produtivas locais, gerar empregos diretos e indiretos, além de consolidar o Nordeste como corredor logístico estratégico para o transporte de commodities agrícolas e minerais, reduzindo a dependência do eixo Sudeste.
Conclusão
Enquanto aguarda a liberação da Licença de Operação, a Transnordestina segue como um símbolo das potencialidades e desafios do desenvolvimento regional brasileiro. O andamento do licenciamento ambiental será determinante para definir quando o Nordeste poderá, enfim, colher os frutos de uma das maiores obras de infraestrutura de sua história.