Piauí tem 64 cidades com mais eleitores que habitantes

Um levantamento exclusivo do Jornal O Dia mostrou que 64 cidades no Piauí possuem mais eleitores que habitantes. O estudo cruzou os dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral e o censo do IBGE do último ano de 2022. Os números, de acordo com especialistas, mostram um crescimento da “democracia de interesse” pelo interior do estado e uma evasão do eleitorado dos grandes centros e dos maiores colégios eleitorais do Piauí.

Juntas, as 64 cidades somam 328.350 eleitores, 12,3% de todo o eleitorado estadual. Por outro lado, os 64 municípios possuem 287.549 habitantes, uma diferença de mais de 40 mil eleitores para habitantes. Exemplos como o município de Nazária, na região metropolitana de Teresina. A cidade possui, de acordo com o IBGE, 10.262 habitantes, porém, um total de 11.535 eleitores, 1.273 pessoas a mais que vão no município somente para votar.

Dentre os maiores municípios da lista destacam-se ainda as cidades de Ilha Grande, no litoral, com 9.274 habitantes e 9.503 eleitores; Brasileira com 8.436 habitantes e 8.692 eleitores; Lagoa Alegre com 8.256 habitantes e 8.304 eleitores e fecha a lista dos cinco casos mais emblemáticos o município de Assunção do Piauí, com 7.452 habitantes e 7.728 eleitores.

Mestre em ciência política, o professor Germano Lúcio explica o cenário de mais eleitores que habitantes em cidades do Piauí.

“Esse é o processo de migração eleitoral, são pessoas que podem ser da região, mas por uma razão ou outra vieram para a capital ou foram morar em uma cidade próxima, mas mantiveram a residência com familiar na cidade pequena. Essa pessoa decide continuar votando na cidade de origem, no interior, mas essa pessoa vota lá, mas não é residente lá. Ela consta na base de dados eleitoral, mas não consta na base de dados populacional”, destaca o especialista.

De acordo com o cientista, são exemplos de uma cultura que existe no eleitorado do Piauí, que reforça a “democracia de interesse”.

“Na maioria dos casos, é um princípio que o cientista político italiano Norberto Bobbio aponta que um dos grandes problemas da democracia é quando a gente sai da democracia de representatividade para a democracia de interesse. Essa democracia de interesse envolve o aspecto de votar por que o irmão vai ganhar um emprego, para resolver um problema de uma ordem específica que um político vai resolver. É a troca de favores clientelista, ainda muito arraigada no nosso sistema político e sistema social”, afirma Germano Lúcio, Mestre em Ciência Política.

Teresina e grandes centros menos representados

Dentre as 64 cidades que possuem mais eleitores que habitantes, todos são municípios pequenos, a maioria com menos de cinco mil habitantes. Os números, porém, mostram uma realidade diferente nas maiores cidades. Enquanto no interior o eleitorado supera os habitantes, nos cinco maiores municípios esse número cai. Somadas as cidades de Teresina, Parnaíba, Picos, Piripiri e Floriano chegam a 1.239.123 habitantes, com apenas 850.357 eleitores. Uma média percentual de 70,4% da população eleitoralmente ativa.

Os dados evidenciam uma evasão do eleitorado para os menores colégios e municípios das regiões metropolitanas dos grandes centros, como explica Germano Lúcio.

“Esse movimento não impacta na democracia, porque é um movimento legítimo, é um fenômeno da natureza da democracia. Posso exercer minha cidadania e votar em qualquer lugar do país que eu esteja habitando. Por exemplo, uma pessoa mora em Teresina e manteve a casa da mãe no interior. A base dela continua no interior. Ela sente uma dívida de gratidão com o local onde ela nasceu”, afirma.

O educador explica que essa evasão do eleitor dos grandes centros prejudica o cidadão na cobrança de melhorias.

“Esse movimento impacta politicamente a cidade no sentido de que o seu voto não vai determinar alguma reivindicação sua, por exemplo, eu moro em Teresina e voto em São Félix do Piauí, o prefeito que ganhar em Teresina vai afetar a minha vida muito mais que o prefeito que ganhar em São Félix. Eu vou ter problemas de buracos nas ruas, falta de escola, saúde é aqui em Teresina. Então o cidadão não vai poder cobrar de um vereador essas melhorias por que ele não votou nele, ele cobra como cidadão, não como eleitor participante. Ele deixa de contribuir no sentido de participação com o voto. No sentido político o cidadão perdeu a oportunidade de mudar o destino da região com o seu voto”, conclui o educador.

Novo Santo Antônio tem quase o dobro de eleitores

Alguns casos específicos se destacam ao analisar o contexto de municípios com mais eleitores que habitantes. Situações como a cidade de Novo Santo Antônio, próximo a Castelo do Piauí. A cidade possui 2.827 habitantes, com um total de 4.726 eleitores. O valor representa 167% do eleitorado comparado aos moradores, o maior índice no Piauí.

Completam a lista as cidades de São Luís do Piauí com 2309 habitantes e 3761 eleitores,162% da população, Aroeiras do Itaim com 2690 habitantes e 4221 eleitores, 156% da população, Jatobá do Piauí com 4494 habitantes e 6640 eleitores, 147% da população e Bocaina com 4078 habitantes e 5809 eleitores, 142% da população.

Cidades pequenas que mantém grande parte do eleitorado em função dos benefícios e empregos, como revela o cientista político.

“O maior empregador do Piauí é o poder público, são os três entes, estado, município e União. Você vai para uma cidade pequena do Piauí, o maior empregador desta cidade é a Prefeitura. Logicamente que não terá espaço para todo mundo nas gestões, não se vê prefeituras fazendo concursos públicos constantes. Estes cargos acabam se transformando em uma fonte de barganha política. Esses arranjos nós chamamos na ciência política de arranjos clientelistas, que é a troca de favor em função de algum benefício eleitoral” finaliza Germano Lúcio.

Fonte: Portal O Dia