Num contraponto a Bolsonaro, governador Wellington Dias reedita programa Mais Médicos

Um dos líderes do Nordeste na interlocução com o governo federal, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), aposta no lançamento de um programa Mais Médicos focado na região — com regras específicas para suprir as carências deixadas pela saída de médicos cubanos após mal-estar com declarações do então presidente eleito, Jair Bolsonaro, em novembro do ano passado.

“Com o fim do acordo com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), são mais ou menos 600 municípios na área da Saúde da Família com aumento da mortalidade infantil, mortes no parto, de idosos”, disse o governador em entrevista exclusiva ao HuffPost.

Nesta segunda-feira (29), em mais uma das reuniões mensais em que os chefes dos nove estados nordestinos têm se encontrado desde o início deste ano, eles pretendem se aprofundar mais na proposta. Desta vez, a ideia é apresentar o plano aos secretários estaduais de saúde e fazer o programa Mais Médicos Nordestino ganhar mais vida.

“Estamos dialogando com algumas universidades, para ver a possibilidade de criar um programa para validar esses cursos, com o Estado bancando a bolsa, a partir do compromisso de que, após a qualificação, o profissional preste serviço onde está precisando”, relatou Wellington Dias.

Dias comentou também sobre a controversa declaração de Jair Bolsonaro sobre os “paraíbas” ao se referir a governadores próximos dele. Contou que não mantém relação próxima com o presidente e está concentrado mais em articular pautas de interesse da região no Legislativo.

A primeira conversa que o HuffPost teve com o governador ocorreu no dia 17 de julho, quando ele deixava a residência oficial da Câmara dos Deputados, em Brasília, após encontro com o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa. Na última quinta (25), o petista atendeu a reportagem por telefone para mais 30 minutos de entrevista.

Leia os principais trechos:

HuffPost Brasil: O que o senhor achou da fala do presidente Jair Bolsonaro sobre os nordestinos? 

Wellington Dias: A rigor foi correto colocar a nota conjunta de toda a região, com os nove governadores, mostrando a nossa disposição de trabalhar com o governo federal e municípios. É um momento de trabalhar com respeito e reciprocidade. O erro é que estamos com tantos problemas e cuidando de situações como essa…

E como corrigir essas situações? 

Não podemos ficar batendo boca. Foi correta a nota da região. E apenas isso.

Os governadores do Nordeste têm estado cada vez mais afinados, feito reuniões mensais. A próxima acontece esta segunda, dia 29, com a expectativa de discutir um programa Mais Médicos para a região.

Como será essa proposta? 

Com o fim do acordo com a Opas, temos problemas cada vez mais graves. São mais ou menos 600 municípios na área da Saúde da Família com aumento da mortalidade infantil, mortes no parto, de idosos. Temos mais de 19 mil médicos brasileiros que fizeram medicina em algum lugar do mundo [e não no Brasil] e pela legislação ainda precisam de alguma especialização para exercer a profissão [o Revalida]. Então estamos dialogando com algumas universidades, para ver a possibilidade de se criar um programa para validar esses cursos, com o Estado bancando a bolsa, a partir do compromisso de que, após a qualificação, o profissional preste serviço onde está precisando.

Isso envolve também trazer médicos estrangeiros para o Brasil? 

Estamos em uma situação em que os médicos não ficam no programa. E o próprio Mais Médicos prevê que, quando não há médicos para atender, ele abre a possibilidade de chamar estrangeiros. Mas de acordo com as novas regras do programa, para possibilitar a entrada de profissionais de fora, dependeríamos do governo federal. Mas o próprio [ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta já tem admitido a possibilidade de um retorno aos moldes antigos [quando cubanos integravam o programa].

Esse plano Mais Médicos nordestino é uma contraposição ao plano do governo? Por que fazer um específico para a região? 

O Norte e o Nordeste foram os mais prejudicados [com a saída dos cubanos]. O formato adotado levou à situação em que estamos hoje. Tem coisas que os governadores podem fazer, que os estados podem fazer como federação, tem coisas que cabem ao governo federal. Não existe concorrência.

O que mais está nos planos da região como um conjunto? 

Temos o Nordeste Conectado, que é um projeto ainda em teste elaborado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para conectar toda a região. Tem também o Mapa de Oportunidades, que vai ser apresentado no Consórcio Nordeste, que acontecerá em Teresina. Aqui temos muitos lugares para investir, seja em energia eólica, seja em mineração, em exploração de gás, de petróleo, de manganês. Vamos ter um compromisso para que possamos trabalhar com diferentes regiões do mundo que têm potenciais investidores.

O senhor, tanto quando no Legislativo quanto no governo do seu estado, sempre teve voz bastante ativa. Tem mantido conversas constantes com os presidentes da Câmara [Rodrigo Maia] e do Senado [Davi Alcolumbre]. E com o presidente Bolsonaro, como é o diálogo? 

Tem sido mais raro. Agora estou empenhado na pauta federativa e na pauta tributária. Houve um acordo que fizemos que abre uma perspectiva para votação no próximo semestre. Vamos unir o projeto que foi encabeçado pelo [deputado] Baleia [Rossi (MDB-SP)], mas vamos contar também com o projeto do [ex-deputado Luiz Carlos] Hauly. A ideia central é reduzir a burocracia, criando o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que vai acabar com a guerra fiscal e a tributação, que é onde estava o ponto de conflito.

Além da reforma tributária, os senhores ainda querem a inclusão dos estados e municípios na Previdência pelos senadores? Como estão as conversas sobre a PEC paralela que deve fazer uma única reforma previdenciária para estados e municípios?

Disposição do Senado eu creio mesmo que há. Tem maioria no Senado para isso, porque há uma boa vontade de líderes, da base do governo e da oposição. E há uma disposição muito grande do presidente Alcolumbre, assim como tinha o Maia.

Na Câmara tinha um problema com parte dos líderes e eu afirmo o que eu dizia antes: uma reforma sem a presença dos estados e municípios, ela fica incompleta. Mas a aprovação, no Senado, ela requer um retorno à Câmara. Então, qual é a proposta? Aquilo que for aprovado no Senado, e for comum ao que já foi aprovado na Câmara, será promulgado.

A parte nova, ou seja, alguma alteração, alguma supressão, e mais algum texto novo, caso da inclusão de estados e municípios, retorna sobre a forma de PEC para a Câmara. Exige o mesmo quórum qualificado.

Como eu já passei pela Câmara, já passei pelo Senado, já vi isso antes, não sou otimista sobre a aprovação pela Câmara. Mas reconheço como uma atitude forte e importante por parte do Senado e abre uma possibilidade para a Câmara.

Enquanto isso, o que os estados precisam fazer sobre a Previdência? 

Fizemos um entendimento no Fórum dos Governadores do Brasil para destinar novas receitas advindas de projetos sobre os quais o Congresso está tratando para cobrir o déficit da Previdência e/ ou investir. Ou seja, quem tem déficit na Previdência paga o déficit na Previdência. Tem três estados que não têm déficit na Previdência, então usam para a investimentos. No futuro, todos [os estados] vão usar esses recursos para investimento.

Os projetos já estão trabalhados, com um ou outro ajuste a serem feitos, principalmente no Senado. Temos a antiga PEC 34 que tratava das emendas impositivas. Foi promulgada uma parte após a votação na Câmara, mas a alteração que regulamenta bônus de assinatura está no Senado e defendemos a aprovação.

Da mesma forma, os recursos relacionados à regulamentação de óleo excedente na cessão onerosa. O governo sinalizou com a possibilidade de parte de royalties da União, de 30% a 70%, em oito anos, ser destinado também para esse objetivo: a cobertura do déficit da Previdência e para investimento.

E tem dois projetos que estão na Câmara que esperamos a votação em agosto que, na verdade, são receitas dos próprios estados. Um trata da regulamentação da securitização da dívida, uma forma moderna de combate à sonegação. E o outro, que não é para déficit da Previdência, foi fruto do acordo com o presidente da República e com o ministro da Economia [Paulo Guedes], em cima de metas fiscais, que é a chamada lei Mansueto. Ele trata de liberação de empréstimo vinculado ao cumprimento de três de oito metas.

Essa pauta federativa, na minha visão, é o que faz uma profunda mudança favorável ao País. Porque teremos recursos para cobertura do déficit da Previdência, para enfrentar essa transição até que os efeitos da reforma ocorram. Eu sei que os estados, após a aprovação [da PEC da reforma da Previdência], vão ter que se debruçar sobre as suas regulamentações nos seus Legislativos, caso não se tenha a aprovação [da PEC paralela em que se pretende unificar as regras previdenciárias de estados e municípios].

Acredito que, com essas receitas [esperadas com a aprovação dos projetos que estão no Congresso] indo para cobertura do déficit, vamos ampliar a capacidade de investimento no País.

Então o senhor não acredita na aprovação dessa PEC paralela que incluiria os estados, mas está confiante que esse pacto federativo vai substituir a não inclusão na reforma que deve ser aprovado pelo Congresso ainda este ano?

Usando um ditado popular: mais vale uma esperança tarde do que um desengano cedo.

É claro que a aprovação no Senado cria uma expectativa de qual será a posição da Câmara ao retornar a PEC paralela. Eu apenas acredito que não é fácil. Não considero impossível, mas não é fácil. Como o seguro morreu de velho, eu acho que a gente tem que dar um passo, e o passo é este. É não perder a oportunidade de 27 estados concordarem com a preocupação e déficit da Previdência.

Tentamos isso no passado [pauta federativa]. Mas a necessidade de receitas para a saúde, para a educação era prioritária. A Previdência era menor. É a primeira vez que se coloca como prioridade a parte da Previdência.

O presidente Rodrigo Maia deu alguma sinalização positiva nesse sentido do pacto federativo? E qual foi a sinalização que ele deu em relação à PEC paralela? 

Ele disse que pode criar um ambiente favorável a um diálogo, porém ele também reconhece que não é fácil, pelo que se cristalizou de posicionamento por parte de alguns líderes e partidos.

Muitos líderes, ao insistirem na retirada dos estados e municípios do texto da PEC da reforma da Previdência, responsabilizaram os governadores, especialmente os do Nordeste. Segundo eles, usava-se um discurso dúbio, para eles, em defesa da proposta, mas muito crítico nos estados.

Posso citar o exemplo do meu estado [Piauí]. Meu estado tem 10 deputados federais. Eu fui eleito lá com apoio de oito dos 10 e tenho uma boa relação com os outros dois. Do meu estado, oito deles votaram na Câmara.

Coloco isso para dizer que, em todo momento, cada um no seu estado e aqui em Brasília, nós governadores demonstramos a importância da reforma da Previdência.

Qual foi o problema?

Primeiro: os estados ficaram de fora no texto que foi para votação.

Segundo problema: tivemos, com isso, um posicionamento de alguns partidos da oposição, como é o caso do meu [PT] que fecharam posição. Isso terminou alterando o posicionamento de alguns parlamentares que, inclusive, tinham disposição para votação [pela reforma], mas também tinham respeito à posição partidária.

Fonte: huffpostbrasil