
A época exata da chegada do homem à América gera debates entre arqueólogos e estudiosos até hoje e foi um dos assuntos do Conversa Com Bial desta segunda-feira, 24/6. Pedro Bialrecebeu os arqueólogos Niède GuidoneAndré Strauss e o curador Marcello Dantas para debater a questão.
Diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano e com trabalho extenso no Parque Nacional da Serra da Capivara, no interior do Piauí, Niède defendeu que os homens teriam chegado diretamente da África há quase 100 mil anos.
“Os americanos tinham uma teoria de que o homem teria entrado na América por Bering há cerca de 13 mil. Portanto era impossível que estivesse aqui no Sul na idade que nós tínhamos achado. Isso já acabou porque mesmo na América do Norte foi descoberto, no ano passado, um sítio com 160 mil anos.”
“Os nativos americanos que a gente conhece hoje e aqueles que a gente conhece arqueologicamente através dos esqueletos de fato não devem ter chegado na América antes de 20 mil anos atrás. Isso quer dizer que as ocupações antigas da Serra da Capivara não existiram? Não necessariamente.”
“Pode ser que tenha existido uma outra população que depois foi completamente substituída. Nesse sentido, nossos dados ainda não dialogam diretamente com o trabalho que é feito na Serra da Capivara.”
Indiana Jones franco-brasileira
O trabalho de Niède com arqueologia e pinturas rupestres fez com que ela fosse considerada uma espécie de Indiana Jones. Na década de 1970, a franco-brasileira resolveu se dedicar ao estudo das pinturas rupestres que existiam na Serra da Capivara e encontrou materiais importantes sobre a origem dos homens.
“Realmente eram excepcionais. Se você vê as pinturas na França, na Europa, são algumas figuras em cada sítio. Lá você tem sítio com mais de mil figuras e uma variedade fantástica. Tanto que com as fotografias que fiz a França criou uma missão permanente. Ela continua até hoje.”
A história da arqueóloga virou o documentário “Niède” e o diretor Tiago Tambelli falou como foi feita a produção do filme.
“Niède convidou uma grande parceria que até hoje está ao lado dela, a Anne-Marie Pessis, para documentar essas primeiras expedições. Então, a gente pode estar falando que esse filme retrata um pouco da história do próprio documentário.”
A arqueóloga lembrou que passou por verdadeiras aventuras para conseguir acessar os sítios arqueológicos.
“Nos primeiros anos, como não havia nenhuma estrada, nós tínhamos que ir pelo meio da caatinga. A gente fazia 30, 40, chegamos a 100 quilômetros em um dia, carregando água, comida, todo o material para escavação.”
“Cheguei a ficar uns 15 dias sem comer. Toda a equipe ficou. Bebia água, mas chegou uma vez em que ficamos 3 ou 4 dias sem água.”
Niède precisou enfrentar a fúria de produtores de cal que desmatavam a região para utilizarem madeira. Ela chegou a ser ameaçada de morte por causa do trabalho.
“Eu fui na casa do político porque me avisaram que ele estava procurando contratar alguém para me matar.”
“Falei: ‘eu sei que você está procurando alguém para me matar. Você vai conseguir, sem dúvidas, só quero te avisar que tenho amigos no Rio de Janeiro que já foram lá em uma favela e contrataram uma pessoa que se eu morrer, virá aqui e vai matar toda a sua família’.”
A Disneylândia da arqueologia
Marcello Dantas entrou no bate-papo para falar do Museu da Natureza e contou que não se incomoda de o lugar ser criticado e chamado de Disneylândia da Arqueologia.
“Que linguagem é a mais adequada do que não uma linguagem que é uma aventura?”
“É uma maneira divertida de mostrar toda a história daquela região que foi mar, todos os movimentos tectônicos que houve, as mudanças climáticas, os resultados da pesquisa. (…) Tem toda uma série de dados que é importante mostrar para a população”, complementou Niède.
Pedro Bial comentou sobre os avanços que a arqueologia pode ter nos próximos anos como, por exemplo, a documentação tridimensional.
“É um projeto muito importante que Anne-Marie Pessis organizou. Ela está fazendo o escaneamento a laser em três dimensões de todas as pinturas. Todos os sítios vão estar documentados em três dimensões”, explicou Niède.
“Se um dia você precisar, você pode reconstruir os sítios inteiros. Se um dia aquilo ruir, você tem os dados e pode reconstruir. Foi o que aconteceu em Altamira e Lascaux. Eles reconstruíram as cavernas para você poder visitar porque a própria visitação destrói”, acrescentou Marcello.
Já o primeiro laboratório de arqueogenética do Brasil, com previsão para o primeiro semestre de 2020, pode trazer grandes descobertas para cientistas brasileiros.
“Em colaboração com o Instituto Max Planck, na Alemanha, e com o financiamento da Fapesp, a gente está montando na USP o primeiro laboratório de arqueogenética do país. A expectativa é poder dar protagonismo para os pesquisadores brasileiros, gerar projetos de doutorados para os alunos brasileiros”, contou André.