EUA abandonam acordo sobre mísseis nucleares firmado com a Rússia durante a Guerra Fria

Decisão abre caminho para uma nova corrida armamentista

O governo dos Estados Unidos abandonou oficialmente, nesta sexta-feira, o Tratado sobre Armas Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês), um dos mais importantes acordos de controle de armas assinado entre Washington e Moscou durante a Guerra Fria, depois de acusar a Rússia de desrespeitar o pacto.

Em vigor desde 1988, o acordo baniu mísseis nucleares e convencionais de médio alcance lançados de plataformas terrestres e capazes de atingir distâncias entre 500 km e 5.000 km. Mais de 2.600 desses mísseis foram destruídos desde então, a maioria dos quais estava estacionada em países europeus .

“A retirada dos Estados Unidos conforme o artigo XV do tratado tem efeito hoje porque a Rússia não retornou ao respeito total e verificado”, afirmou em um comunicado o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, que considerou o Kremlin “o único responsável” pelo rompimento do pacto.

Minutos antes, a Rússia havia anunciado o fim do tratado “por iniciativa dos Estados Unidos”, afirmando ter proposto a Washington uma moratória para a instalação desse tipo de arma e  acusando os americanos de pôr em risco a segurança global:

“Apresentamos aos Estados Unidos e outros membros da Otan a proposta de considerar a possibilidade de anunciar uma moratória na instalação de armas de alcance intermediário”, afirmou Serguei Riabkov, vice-chanceler russo, em uma entrevista à agência russa TASS.

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Há seis anos, os Estados Unidos vinham questionando o compromisso russo com o pacto, após alegações de que Moscou estaria deslocando o sistema de mísseis 9M729 para o oeste do país. Segundo os americanos, os armamentos teriam alcance de até 4.000 quilômetros, violando o pacto. Em fevereiro, os EUA anunciaram que abandonariam o tratado no dia 2 de agosto a menos que o armamentos russo fosse destruído.

“O desenvolvimento e a utilização de sistemas de mísseis que violam o tratado representam uma ameaça direta aos Estados Unidos e a nossos aliados e parceiros”, disse Pompeo no comunicado.

A Rússia, por sua vez, afirma que em nenhum momento violou o tratado negociado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev e que sua arma tem alcance máximo de 480 quilômetros. Recusando-se a aceitar o ultimato do presidente dos EUA, Donald Trump, Vladimir Putin anunciou que também deixaria o acordo, decisão corroborada pelo Parlamento russo e ratificada pelo presidente no início de julho.

Corrida nuclear

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse na quinta-feira estar preocupado com as consequências do esfacelamento do tratado, alertando que “o mundo perderá um freio de valor incalculável contra uma guerra nuclear”.

— Isso provavelmente aumentará, ao invés de reduzir, as ameaças causadas por mísseis balísticos — disse o secretário-geral a repórteres. — Independentemente do que aconteça, ambos os lados devem evitar desenvolvimentos desestabilizantes e buscar urgentemente um acordo que estabeleça um novo caminho em comum para o controle internacional de armas.

Segundo diplomatas europeus, a maior parte dos países-membros da UE estaria no alcance dos mísseis que a Rússia enviou para o oeste do país. Com isso, a Europa precisará decidir se permitirá o deslocamento de novos mísseis americanos para seu território, algo que causou uma série de protestos nos anos 1980.

Em 2010, americanos e russos assinaram um novo tratado para a redução de armas estratégicas (de longo alcance), o Start, que entrou em vigor no ano seguinte. O pacto prevê uma redução de 30% do número de ogivas nucleares de ambos os países e verificações mútuas mais transparentes. O acordo tem prazo de validade previsto para fevereiro de 2021, mas poderá ser estendido por mais cinco anos — algo que a Otan teme ser colocado em xeque pelo acirramento das tensões.

China é alvo

Até o momento, o governo de Donald Trump não realizou testes de nenhum armamento que violasse o INF — pelo tratado, até mesmo isso era proibido — mas com o rompimento desta sexta-feira, Washington deverá começar a testar novos mísseis de médio alcance já nas próximas semanas. Se o armamento for bem-sucedido, poderá ser instalado em cerca de 18 meses.

Para Thomas Mahnken, do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Johns Hopkins, o próximo passo do governo dos Estados Unidos deverá ser a instalação de mísseis convencionais de médio alcance em ilhas do Pacífico e em territórios de países aliados. O objetivo seria contra-atacar a potência de Pequim no Mar do Sul da China, onde os chineses, donos de um dos arsenais mais avançados do mundo, disputam territórios e influência.

A questão, entretanto, seria quais países asiáticos aceitariam alocar os armamentos americanos — algo que certamente atrairia a ira chinesa. Segundo funcionários da Defesa americana, enviar os mísseis para Taiwan seria visto como uma provocação grande demais e o Japão também não dá sinais de querer arriscar seu relacionamento com Pequim.

O governo Trump vem tentando negociar com os chineses e os russos um acordo que limitasse seus estoques de mísseis, algo que a China rejeita, alegando que Rússia e EUA têm arsenais muito maiores e mais mortais.

— A ideia de Trump de um acordo de controle de armas trilateral não é realista —  disse Gary Samore, que foi estrategista-chefe do Conselho de Segurança Nacional durante o governo de Barack Obama. — Os chineses não vão codificar um número de armas inferior ao dos Estados Unidos e da Rússia. E a Rússia e os EUA não darão à China o mesmo status.

fonte O globo