Energia solar cresce no Brasil, mas frustra quem esperava por ‘corrida do ouro’

Um crescimento acima de 50% em pouco mais de seis meses não é exatamente um resultado ruim, mas é considerado frustrante por quem esperava mais do que dobrar o volume de negócios.

Para distribuidores e instaladores de equipamentos de energia solar no Brasil, a expectativa era viver, em 2022, uma espécie de corrida do ouro pelos sistemas.

Ao fim do terceiro e penúltimo trimestre do ano, o quadro se desenhando é mais modesto.

Além do que o setor considera ser a grande vantagem do sistema -o uso de fonte gratuita e abundante no Brasil, o sol-, há o calendário: instalações registradas a partir de 7 janeiro de 2023 passarão a pagar uma taxa pelo uso da rede de distribuição.

Para quem já tem um sistema de geração de energia local e para aqueles que fizerem o pedido de acesso até o dia 6 de janeiro de 2023, essa taxa, chamada de Tusd B (tarifa de uso dos sistemas de distribuição), ou fio B, ficará isenta até 2045.

A alta de juros e a elevação do endividamento são vistos como dois fatores que contribuíram para o crescimento abaixo das projeções.

O financiamento dos sistemas de energia solar são considerados fundamentais ao acesso aos sistemas, uma vez que ele tem um custo inicial elevado, entre R$ 16,6 mil e R$ 22 mil, segundo simulações do Portal Solar para um sistema residencial que substitua um gasto mensal de R$ 500 com a conta de luz.

Com juros maiores (a Selic está em 13,75% ao ano), o crédito fica mais caro. Ao mesmo tempo, o aumento do endividamento eleva o risco e reduz as condições das famílias acessarem as linhas.

Ronaldo Koloszuk, presidente do conselho de administração da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), diz que houve aumento na procura nos últimos 30 a 60 dias, melhorando as expectativas para o encerramento de 2022. “Todo o mercado esperava um ano inteiro muito acelerado e errou neste sentido”, diz.

De janeiro a agosto, a média de crescimento mensal, em megawatt, está 57,2% maior do que o mesmo período do ano passado. A potência acumulada está em 12,7 gigawatts. Um ano antes, estava em 7,4 gigawatts, um crescimento de 71%. A projeção feita pelo setor em janeiro, porém, era acumular 25 gigawatts até dezembro.

Selic em alta

Rodolfo Meyer, do Portal Solar, acredita que o ano eleitoral também afetou a decisão sobre investimentos. Depois de um primeiro trimestre que indicava aceleração, a guerra da Ucrânia, a antecipação da campanha eleitoral e a elevação da Selic foram freios relevantes.

Por isso, aposta em uma alta de pedidos em novembro e dezembro, com os quadros eleitorais já definidos. “Parece que está esquentando. E claro que 57% de crescimento não é mal.”

Na WIN Solar, que distribui equipamentos solares, a diretora Camila Nascimento contabiliza, no primeiro semestre, resultado superior a todo o ano passado. “Infelizmente, pelo aumento da Selic, houve queda no interesse pelo financiamento. Se não tivesse ocorrido isso, teria havido corrida maior.”

Enquanto em 2021 os preços dos equipamentos preocupavam o setor, neste ano há estabilidade. Os fretes marítimos, que passavam de US$ 10 mil (cerca de R$ 54 mil) há dois meses, já recuaram para o patamar de US$ 5.000 (cerca de R$ 27 mil).

O setor também está isento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e, com isso, fica dispensado de pagar ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). Praticamente todas as partes do sistema fotovoltaico é importado -e quase tudo vem da China.

Sistema ainda será vantajoso após 6 de janeiro

O início da cobrança pelo uso da rede de distribuição foi previsto pelo marco legal da geração distribuída, a lei nº 14.300, publicada no Diário Oficial da União no dia 7 de janeiro de 2021. A regra diz que solicitações de acesso nos 12 meses seguintes à publicação da lei manteriam a isenção da taxa pelo uso do fio até 2045.

Depois que o sistema para geração de energia solar é comprado, o consumidor, em geral por meio do integrador contratado para o serviço, solicita à distribuidora de energia o acesso à rede.

Para usufruir da isenção da Tusd B, é necessário ter o protocolo desse pedido registrado até o dia 6, mesmo que o sistema não esteja instalado ainda.

Rodolfo Meyer, do Portal Solar, e Ronaldo Koloszuk, da Absolar, defendem que a geração distribuída continuará vantajosa, mesmo com o início da cobrança. A Tusd B corresponde a um percentual médio de de 28% da tarifa convencional.

A partir do ano que vem, a cobrança será escalonada até chegar à integralidade (os cerca de 28% da tarifa convencial) em 2029. Koloszuk diz que o impacto médio deve ser de 4% a cada ano.

Com isso, a energia excedente que vai para a rede distribuidora passa a gerar um abatimento menor, pois haverá a cobrança do fio.

“Deixa de ser atrativa? Não, especialmente se você comparar com qualquer aplicação bancária”, afirma Koloszuk. Para Meyer, a inflação da energia elétrica convencional também joga a favor do sistema de geração solar.

“Em sete anos, a cobrança vai ser de aproximadamente 4,2% ao ano para quem não tiver o benefício [da isenção por mais tempo]. A inflação está acima disso. Se você comparar com uma inflação da energia de 5% ano, ainda valeria a pena”, afirma. Ele defende também que a cada ano os sistemas ficam mais eficazes e, com isso, mais baratos.

Atualmente, a energia elétrica residencial acumula queda de preço (recuo de 12,86% em 12 meses até agosto, segundo o IPCA), após uma combinação de fatores conjunturais, sazonais e políticos. O nível dos reservatórios subiu a partir do fim do primeiro trimestre do ano e a bandeira de escassez hídrica, que cobrava R$ 14,20 por cada 100 kWh (quilowatts-hora) desde setembro do ano passado, foi encerrada.

Em junho, uma lei também definiu a devolução do ICMS sobre o PIS/Cofins na conta de luz, que deve resultar em ajustes menores pelas concessionárias.

Fonte: Folhapress