A tarde de terça-feira segue cheia de contradições no centro de Teresina. Na rua, são tocadas as músicas nostálgicas da banda Legião Urbana, seguidas de Desejos de Menina, que se misturam com o barulho dos automóveis. Dentro do Arquivo Público do Estado do Piauí, o cenário é de paz. Seu João, sentado no balcão da recepção, conversa com a visitante que está esperando por uma funcionária para auxiliá-la na procura por um documento. Na troca de ideias, temas como a Bíblia, crimes do Rio de Janeiro e questões políticas são comentadas de uma forma bem entendida.
Quem passa pela calçada do Arquivo Público e não entra para visitá-lo não sabe o que está perdendo. A riqueza dos pequenos detalhes chama muito a atenção daqueles que frequentam o local. No chão, o azulejo guarda as marcas do passado e ainda é mantido formando as palavras “Biblioteca e Arquivo Público do Piauí”. No teto, o lustre continua remetendo os visitantes para o período que antecedeu os anos 2000. Já as escadas possuem um formato que hoje não é muito visto: são duplicadas no início e, depois, unificadas para dar acesso ao piso superior.
Entre os frequentadores do local está a pesquisadora Clara Vilanova, que troca o cochilo pós-almoço pela ida ao Arquivo Público todos os dias de tarde. O sinal de que ela é uma frequentadora assídua do espaço é visto em sua conversa distraída com seu João. O diálogo ocorre enquanto ela coloca seus dados em um formulário, que deve ser preenchido por todos os visitantes, e pega a chave para colocar seus pertences no guarda-volume de número 34. Portando apenas seu celular, o estojo e o caderno para anotações, ela parte para o piso superior.
Na sala de pesquisa, ela se dirige para a funcionária, que está lendo uma edição do jornal O Dia, e solicita as edições do mesmo jornal que foram veiculadas em setembro de 1979 na capital piauiense. De posse do periódico, começa a sua análise, identificando como era retratada a atuação das mulheres nesse período. Além disso, ela também busca a representação de J. Miguel de Matos e A. Tito Filho, que pertenciam à Academia Piauiense de Letras, no impresso que circula em Teresina há muito tempo.
Clara comenta que as suas idas ao Arquivo Público se tornaram mais frequentes no início de 2018. Sua gratidão à instituição é vista quando destaca que suas pesquisas proporcionaram a ela uma visão mais ampla. A estudante do curso de história da UESPI também aproveita para elogiar a organização dos materiais e fontes, feita pelos servidores do local. Ainda de forma satisfeita, ela destaca o grande retorno que o Arquivo Público proporciona para os diversos setores da sociedade, entre eles educação, saúde e segurança pública.
Na mesma sala, Sebastião Bertodo, um dos servidores e funcionário do local, mostra-se também muito apaixonado por seu trabalho. De vida, são 63 anos. De experiência no Arquivo Público, 41. Seus vários anos de labuta permitem que ele conheça todo o acervo e execute diversas atividades. No entanto, ele diz que as suas principais funções são juntar toda a documentação produzida no Piauí, preservá-la e facilitar o acesso a quem tiver interesse nos documentos, além de acompanhar estudantes e professores nas visitas ao espaço.
É comentando sobre essas visitas que ele mostra sua felicidade por ter contato com o público. Segundo o servidor, esses momentos são ocasionados por professores que fizeram pesquisas no acervo e levam seus alunos para que eles tenham acesso ao local, que tem muito a contribuir. Sebastião diz que, durante o contato com os visitantes, ele preza pelo bom atendimento, para que seja levada uma boa imagem do local. Ainda com um visível brilho nos olhos, mostra sua satisfação por permitir o acesso ao conhecimento cultural e manter os documentos dos setores econômico, industrial e sociocultural da sociedade piauiense preservados e em bom estado.
São funcionários como Sebastião Bertodo que fazem a diretora do Arquivo Público, Rosângela Carvalho, persistir e se esforçar para manter tudo em ordem. Desde 2015, a pedagoga com experiência na área da gestão chega ao local que preserva a memória piauiense por volta de 8h30. Antes de chegar em sua sala, passa por um hall que se divide entre o tempo passado e o atual, marcado pelo entra e sai de funcionários. No chão, o mesmo azulejo da entrada, uma mesa de tampo de vidro e um sofá de couro. Nas paredes, portas altas de duas bandas e cor azul com uma pintura de Anísio Brito, personagem piauiense que dá nome ao local.
É em sua sala que comenta sobre os desafios enfrentados por ela e pelos servidores. Dela, é exigido o esforço de monitorar o trabalho feito na Sala de Pesquisa, Biblioteca, Hemeroteca, Fototeca, Sala dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e na Sala do Arquivo Temporário. Já dos funcionários, é exigido o cumprimento da missão de cuidar de um acervo que pode ser considerado vivo, ou melhor, que nunca fica totalmente organizado, pois, segundo a diretora, os pesquisadores estão sempre procurando pelos documentos. Comentando sobre essa organização, ela diz que o processo exige uma técnica específica e que é preciso também se atentar para a forma como a limpeza é feita.
Mesmo com as dificuldades, ela se mostra muito animada e encorajada para seguir com o grande trabalho que realiza no Arquivo Público do Estado do Piauí. Ao ser questionada sobre os frutos que colhe por se esforçar em seu trabalho, ressalta que muitos pesquisadores renomados passaram pelo local e lamenta também que muitos ainda não o conheçam. Além disso, ela está ciente da função que possui em mãos: dar oportunidade ao acesso à pesquisa, à ciência e às novas ideias, além de contribuir para que o entendimento da história esteja sempre ocorrendo.
O Arquivo Público do Estado do Piauí fica localizado na Rua Coelho Rodrigues, 1016, no Centro de Teresina (PI) e funciona de segunda a sexta, de 8h às 18h. Entre os serviços oferecidos estão o atendimento ao público e a orientação à pesquisa, emissão de certidões,
assistência técnica e assessoria aos arquivos das secretarias estaduais e municipais, divulgação do acervo através de exposições, palestras e seminários e cursos para capacitação técnica. O acesso ao local e ao acervo é gratuito e as visitas guiadas, para um maior número de alunos, devem ser marcadas antecipadamente.
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Kamilo Carvalho de Almeida é estudante de jornalismo na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
FONTE: Observatório da Imprensa