
Comprar algo que não estava nos planos pode parecer inofensivo, mas para muitos brasileiros esse hábito se tornou frequente — e problemático. Uma pesquisa de 2024 da Serasa, revelou que 71% dos consumidores admitem ceder ao consumo por impulso, e 72% relatam arrependimento logo após a compra. O comportamento, que vai do carrinho online a uma ida ao supermercado, está profundamente ligado a fatores emocionais e sociais, como explica a psicóloga Elane Christine, da Hapvida.
Segundo a especialista, o desejo de gratificação imediata é um dos principais motores do consumo impulsivo. “Muitas vezes, as pessoas buscam satisfazer necessidades emocionais ou aliviar o estresse por meio da compra de um item supérfluo ou não planejado. É um recurso rápido para gerar prazer ou distração, ainda que momentaneamente”, afirma. Ela lembra ainda que a sociedade atual reforça esse padrão. “O consumo é um marcador de status e sucesso. Isso faz com que muitos comprem para se manter atualizados com as tendências e para mostrar nas redes sociais uma imagem de pertencimento e ascensão.”
A jornalista piauiense, Daniely Viana, é um exemplo de consumidora que prefere se organizar para não cair em armadilhas do impulso. Para ela, o controle financeiro é parte essencial da rotina. “Eu sempre procuro checar meu orçamento antes de fazer qualquer compra que não estava prevista. É algo que me ajuda muito sobre o que realmente posso gastar, além de evitar tomar decisões precipitadas. Gosto de manter minhas finanças organizadas, porque sei que uma escolha por impulso pode comprometer outras prioridades, como as contas básicas de casa ou outras contas com as quais eu já tenha me comprometido.”
Outro fator determinante é o autocontrole, que tende a diminuir quando estamos emocionalmente vulneráveis. “Resistir ao impulso de comprar exige autocontrole. Esse recurso falha quando estamos cansados, estressados, ansiosos ou tristes. Nessas situações, a compra funciona quase como uma válvula de escape”, explica Elane. Ela destaca também que até emoções positivas podem ser gatilhos: “A felicidade pode levar a pessoa a comprar mais, como forma de prolongar a sensação de prazer.”
O papel da publicidade, redes sociais e ambiente digital
O ambiente digital amplifica ainda mais o problema. Uma pesquisa da CNI mostrou que quatro em cada dez brasileiros já compraram por impulso na internet. Para Elane Christine, isso não é surpresa. “O marketing emocional conecta as marcas ao consumidor em um nível afetivo, fazendo com que ele se identifique com um produto ou estilo de vida. Além disso, os influenciadores digitais, ao compartilharem experiências de consumo, criam tendências que incentivam a compra de itens muitas vezes não planejados. E as próprias plataformas facilitam o processo com recursos como o ‘compre agora’, que encurtam o tempo de reflexão”, analisa.
Os números confirmam o peso desse hábito: levantamento do SPC Brasil e da CNDL aponta que 41% dos consumidores que compram por impulso estão inadimplentes. As promoções são outro grande gatilho. O SPC/CNDL identificou que 84% dos brasileiros já compraram algo apenas porque o preço estava muito baixo ou havia a sensação de uma “oportunidade imperdível”. “Esse tipo de apelo mexe diretamente com as emoções e reduz a capacidade de análise racional sobre a real necessidade de compra”, comenta a psicóloga.
O prazer imediato, no entanto, logo dá lugar a sentimentos de culpa ou insatisfação. “Muitas vezes, a pessoa percebe que não precisava do produto ou que aquilo não trouxe a felicidade que esperava”, observa Elane Christine. No campo financeiro, os riscos são ainda maiores. “As compras não planejadas podem desequilibrar o orçamento e levar ao endividamento, comprometendo a qualidade de vida da família.”
Apesar do cenário preocupante, a psicóloga lembra que existem estratégias para reduzir os impactos. “O planejamento financeiro é essencial. Definir um orçamento específico para gastos não essenciais ajuda a criar limites e a evitar que compras desnecessárias comprometam contas importantes”, recomenda. Outra prática útil é o chamado período de reflexão: “Se surgir a vontade de adquirir um produto que não estava nos planos, espere algumas horas ou até um dia inteiro antes de decidir. Esse tempo permite avaliar se realmente existe a necessidade ou se a compra é apenas um impulso do momento.”
Ela também sugere ferramentas de autoconhecimento. “Registrar despesas é uma forma poderosa de identificar padrões e perceber em quais momentos as compras impulsivas acontecem. Além disso, técnicas como o mindfulness — prática de estar presente e consciente no momento — podem ajudar a aumentar a percepção sobre as decisões financeiras, permitindo escolhas mais equilibradas.”