Tribunais do Brasil vão utilizar IA desenvolvida pelo TJ do Piauí

Os tribunais de justiça de todo o Brasil vão utilizar uma ferramenta criada no Piauí para facilitar a comunicação entre a sociedade e o Poder Judiciário. Trata-se da Justiça Auxiliada pela Inteligência Artificial (JuLIA), um robô de WhatsApp criado no laboratório Opala LAB, que funciona na sede do Tribunal de Justiça do Piauí, em Teresina.

O termo de cooperação entre o Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve ser assinado em breve.

Além do robô de WhatsApp, o CNJ também tem interesse em levar para todo o Brasil o módulo JuLIA Sentinela, utilizando para atender mulheres em situação de violência doméstica, que será lançado nesta segunda-feira (25)

Foto: Ascom / TJ-PI
Foto: Ascom / TJ-PI

“Durante cerca de três meses nós vamos ficar dando esse suporte para o CNJ e depois eles poderão fazer a migração para o sistema próprio. Mas a princípio vamos suportar a demanda nacional com o suporte que temos hoje no Tribunal de Justiça do Piauí”, disse o desembargador José Wilson Ferreira, coordenador do Opala Lab.

A inteligência artificial desenvolvida no Piauí começou a ser utilizada no ano passado. Num primeiro momento somente dentro do tribunal e, posteriormente, todos os cidadãos passaram a contar com essa ferramenta.

Hoje, a JuLIA conta com uma série de módulos que ajudam servidores públicos do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), magistrados, advogados e toda a sociedade a acompanhar o andamento dos processos na justiça piauiense e, ainda, utiliza mais de três milhões de informações para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do Judiciário piauiense.

Um desses módulos é o JuLIA Explica, que é capaz de fazer a transcrição das decisões dos magistrados piauienses para uma linguagem simples.

A linguagem simples foi definida pelo CNJ no ao Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, cujo objetivo é adotar de adotar linguagem simples, direta e compreensível a todos os cidadãos na produção das decisões judiciais e nos documentos produzidos para a sociedade. O CNJ entender que a linguagem simples gera acessibilidade e inclusão, o que permite que todos os cidadãos possam ter acesso e compreensão à Justiça.

– Clique aqui e conheça todos os pontos do pacto proposto pelo CNJ

Quem já precisou entrar com uma ação na justiça se deparou com um problema: a linguagem utilizada pelos operadores do direito que é tem características próprias e não é de fácil compreensão. Mas essa situação começa a ficar no passado no Piauí. Aqui as partes agora contam o auxílio da inteligência artificial para compreender a decisão dos juízes.

Para utilizar a ferramenta o usuário deve salvar o número de telefone da JuLIA (86 98128-8015) na agenda do seu celular. Depois é só chamar a JuLIA no WhatsApp e começar a conversa.

A servidora pública Glaucimara Vieira já precisou recorrer ao Poder Judiciário, algumas vezes, para resolver questões em que ela acreditava ter sofrido violação de direitos. Assim, ela já moveu processos contra bancos, operadoras de telefonia e, esse ano, é parte em uma ação coletiva contra os responsáveis por um empreendimento imobiliário onde ela comprou um imóvel na planta.

No dia a dia, a comunicação entre os advogados e o grupo de clientes do qual ela faz parte acontece por meio de um grupo no WhatsApp. No último dia 19, o grupo recebeu um documento enviado pelos advogados e isso inquietou a professora.

“Eu li e não entendi nadinha do que estava escrito lá. Em conversa com outros colegas do grupo fiquei sabendo que no tribunal havia uma ferramenta que traduz os documentos para uma linguagem mais simples”, disse.

Em poucos minutos a professora salvou o contato da JuLIA (86) 98128-8015 e fez algumas perguntas para entender o seu processo.

“Quando eu perguntei a ela sobre meu processo utilizando o número do processo, de pronto ela disse não ter informações suficientes sobre ele. Ai eu informei que se tratava de uma ação de oposição e que gostaria de saber como estava o processo. Nesse momento ela me explicou o conceito de ‘ação de oposição’ e disse que a minha estava na fase de instrução. Como eu também não sabia o que era instrução [rir] eu questionei do que se tratava e novamente ela me respondeu. Agora eu sei que meu processo está na fase inicial, em que as partes apresentam a sua defesa ao juiz, antes dele marcar audiências de julgamentos. Tá vendo, já estou até explicando as coisas jurídicas [rir, novamente]”, disse a professora.

O TJ-PI escolheu inovar

A JuLIA é piauiense e foi desenvolvida no laboratório de inovações do Tribunal de Justiça do Piauí. Lá oito servidores se dedicam a pensar e implementar inovações que podem ser aplicadas no tribunal para melhorar a vida de servidores e da sociedade em geral.

A JuLIA nada mais é que um chatbot, um robô que responde ao público por meio do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. Mas ela vai além de só, responder perguntas, a IA mantém um diálogo com o usuário e ao final de cada interação cobra dele um feedback.

“Esse feedback é utilizado por nós, do Opala LAB, para mensurar o nível das respostas que estamos dando aos usuários da JuLIA”, disse o desembargador José Wilson Ferreira, que coordena o laboratório.

O Opera LAB é composto por quatro servidores da Secretaria de Tecnologia da Informação do TJ-PI. Além dos servidores de carreira da área da informática, o laboratório conta com a ajuda de outros quatro servidores do tribunal, que dominam o trâmite dos processos na casa.

“O modo como trabalhamos no Opera LAB inspirou o CNJ a fomentar a criação de laboratórios de inovação em todo o país. Aqui nós conseguimos nos distanciar das ações rotineiras, do dia a dia do tribunal, para pensar e criar ferramentas que possam fazer a diferença na vida das pessoas”, disse Gleydson Vilanova, secretário executivo do Opera LAB.

A JuLIA não nasceu do nada, para chegar até o aqui o TJ-PI precisou realizar uma série de mudanças técnicas. O primeiro passo foi a inserção do processo eletrônico, a partir dai todos os processos deixaram de ser físicos (calhamaços enormes de papel) e passaram a existir apenas de forma virtual, dentro do Processo Jurídico Eletrônico (PJE).

Com a reunião das informações nos sistemas de informática foi possível criar a inteligência artificial capaz de realizar buscas dentro do banco de dados e entregar ao usuário o que ele precisa.

Essa Julia é sabida

Mais do que informações sobre processos em andamento, a JuLIA, também, pode ajudar quem precisa utilizar os serviços ofertados pelo Tribunal de Justiça do Piauí.

O Cidadeverde.com encontrou o design Carlos Eduardo Lira estava no Fórum Civil e Criminal na companhia de um casal de amigos. Ele será testemunha do casamento deles e os três foram até lá para dar entrada na “papelada do casório”.

“Meus amigos já vieram aqui para ver que documentos precisavam e, hoje, viemos entregar os documentos exigidos”, disse ele.

Mas o que o Carlos não sabia é que se eles tivessem pedido ajuda da JuLIA poderiam ter poupado algumas idas até o Fórum. Convidamos ele para testar isso. Ele salvou o número da JuLIA no seu celular (86) 98128-8015 e em seguida perguntou que documentos eram necessários para “dar entrada no casamento civil”.

Foto: Adriana Magalhães / Cidadeverde.com
Foto: Adriana Magalhães / Cidadeverde.com

Não satisfeito, o design fez outra pergunta a IA. Ele quis saber sobre como pode processar uma empresa por cobranças indevidas. E eis a resposta!

Orientar as partes a tomar uma decisão

Nas Varas de Família, a JuLIA já é apresentada aos envolvidos em um processo no momento da intimação.

“Hoje, quando o oficial de justiça vai até a casa do cidadão, para levar a intimação, ele já mostra o Qr-Code do Julia Explica, que está presente em todos os documentos emitidos pelo TJ-PI, para que a Inteligência Artificial possa tirar todas as dúvidas da pessoa que está sendo citada”, explicou Anderson Pinto, coordenador das Varas se Família do Fórum Civil e Criminal de Teresina.

Por meio do QR code, o citado pode ter acesso ao documento em linguagem simples e pode interagir com a JuLIA para tirar todas as dúvidas sobre os próximos passos da ação e as consequências que ele pode sofrer caso não compareça às audiências.

Segundo o coordenador, cerca de 90% do público atendido pelas varas de família são pessoas pobres, que tem dificuldade para entender o andamento do processo e até os termos empregados no Fórum. Para facilitar a compreensão do processo, o TJ-PI lançou, no ano passado, uma série de vídeos, chamado “TJ-PI Descomplica”. Esses vídeos usam linguagem simples e explicam desde o andamento do processo até as vantagens das partes entrarem em acordo.

Dentro da Vara de Família, a inteligência artificial facilita o trabalho dos servidores públicos em diversos aspectos, com destaque para a produção de intimações e para a baixa de processos.

Foto: Adriana Magalhães / Cidadeverde.com
Foto: Adriana Magalhães / Cidadeverde.com

“É uma ferramenta que mudou a nossa vida. Utilizamos a JuLIA dentro do sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJE) para fazer intimações, dar baixa em processos e mais uma série de atividades internas. Agora com ela podemos trabalhar a qualquer hora e em qualquer lugar. Recebemos uma notificação de algo pendente ou de processos ponto para despacho e já podemos, imediatamente, dar seguimento. Isso reduz o tempo de resposta da Justiça para as demandas do cidadão e contribui para que a sociedade tenha a sua demanda solucionada em um prazo menor”, disse Laiana Oliveira, coordenadora da Central de Processos Eletrônicos (CPE), do TJ-PI.

Antes da IA os homens

Antes da JuLIA chegar explicando tudo de modo mais fácil para as partes de um processo, os próprios magistrados do TJ-PI já haviam adotado a linguagem simples em suas decisões. Como o desembargador Erivan Lopes, que atua na magistratura há mais de 15 anos e já foi presidente do TJ-PI, por dois mandatos. Ele, que já era um adepto de uma linguagem mais direta, foi o primeiro magistrado do Piauí a proferir uma decisão em linguagem simples, seguindo a orientação do CNJ. (CLIQUE AQUI PARA CONFERIR)

Para o desembargador, o uso desse tipo de linguagem é um caminho sem volta. Ele entende que o avanço desse costuma no judiciário do Piauí só esbarra na vontade do próprio magistrado.

Foto: Arquivo / Cidadeverde.com
Foto: Arquivo / Cidadeverde.com

“Nós temos um volume de trabalho muito grande, tanto no primeiro quanto no segundo grau, fazer uma mudança como essa gera economia de tempo e compreensão por todos que estão dentro do processo”, explica.

A utilização de uma linguagem mais compreensível por grande parte da população é uma das metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi perseguida e alcançada pelo Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), nos últimos dois anos, que coincidiram com a gestão do desembargador Hilo de Almeida.

Mas a primeira missão de traduzir o juridiquês para sociedade foi da Assessoria de Comunicação do órgão.

“Sempre precisamos fazer essa tradução das decisões tomadas aqui para vocês da imprensa e sentimos que precisávamos ampliar e utilizar as redes sociais para aproximar o tribunal de todas as pessoas. Assim criamos uma série de vídeos, que foram publicados nas redes sociais e explicam de forma simples o trabalho das pessoas que estão aqui dentro”, disse Paula Daniele, coordenadora de Comunicação do TJ-PI.

Nas varas também surgiram ideias para simplificar a linguagem e gerar comunicação e empatia com o público.

Nesta linha de facilitar a comunicação, e utilizar uma linguagem compreensível, o Juizado Especial de São Raimundo Nonato lançou uma cartilha utilizando a linguagem do cordel para explicar o funcionamento do órgão. Confira aqui a cartilha.

Já a Corregedoria Geral da Justiça do Piauí (CGJ-PI) lançou o TJ Descomplica, uma série de vídeos que facilita a compreensão do sistema judiciário pela população. Esses vídeos também são apresentados pelos oficiais de justiça para as partes dos processos nas varas de família, por exemplo.

Nesta segunda-feira (25), o TJ lança o módulo JuLIA Sentinela, que recebe solicitações de medidas protetivas por meio do WhatsApp.

Fonte: Cidade Verde